Olá! No texto de hoje, duas histórias que se interligam: começa em 1993 e vai até o ano 2000, com algumas idas e vindas nesse meio tempo.
Dessa vez, o fio condutor é um sucesso dos anos 1970 e um dos anos 1980. Espero que gostem!
Dire Straits - Sultans of Swing
Dire Straits, 1978
A julgar pelas pesquisas que fiz, a primeira vez que eu assisti algo do Dire Straits foi no programa Hollywood Rock in Concert, que a Rede Bandeirantes exibiu em 3 de julho de 1990. Era um bloco musical que passava semanalmente, evidentemente patrocinado pelo grupo Souza Cruz, exibindo shows de bandas aleatórias, muitas vezes já lançados em VHS ou Laser Disc. Eu não lembro qual era o show do Dire Straits exibido, e só sei essa data exata pois fucei em arquivos de jornais antigos. Possivelmente o Hollywood Rock vai voltar a ser tema aqui em algum outro texto.
Mas, embora marcante, não é essa primeira lembrança que Dire Straits ativa na minha cabeça. É outra: pizza. Isso mesmo. Sultans of Swing era quase que a trilha sonora vigente de uma pizzaria que frequentei durante os anos 1990 e começo dos anos 2000 em Mostardas, cidade do litoral gaúcho onde moravam meus avós e tios, e eu passei férias boa parte da infância. A pizzaria chamava Aquarius, cujo dono atendia pela inusitada alcunha de Baratão. Na sua última encarnação, ficava em frente à pizzaria rival, Recanto, cujo dono era conhecido como Kika. E essa concorrência é fundamental para o entendimento dessas lembranças.
A história começa em setembro de 1993, no final de semana do feriado de 7 de setembro. Meus pais e eu fomos para Mostardas no sábado, dia 4. No dia seguinte, o Brasil jogaria contra a Venezuela pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1994. Na primeira fase, em que o Brasil jogou todos os jogos fora de casa, a Venezuela foi a única derrotada pela seleção: tomou 5x1. Os outros resultados do escrete do Parreira foram empates asquerosos contra o Equador e o Uruguai, e uma vexatória derrota para a BolÃvia com direito a um frangaço antológico do Taffarel, mesmo depois de ter conseguido a proeza de defender um pênalti em La Paz. Na segunda fase, o Brasil tinha vencido o Equador por 2x0 no Morumbi, a BolÃvia tinha levado 6x0 no Arruda de Recife, e agora a vÃtima seria a Venezuela no Mineirão. Meu primo Marcos apostou com todo mundo que o Brasil ia ganhar de 13x0. Tava pouco empolgado ele, hein? No final, foi "apenas" 4x0. Nesse domingo não assistimos boa parte do jogo, pois tÃnhamos ido assistir uma corrida de cavalos, quase que uma disputa de arrancada, em algum lugar ermo de Mostardas que eu não sei precisar onde era. Na parte da noite, na Bandeirantes passou o jogo entre Colômbia e Argentina, com goleada histórica por 5x0. Não pudemos ver o jogo até o final justamente pois estava marcada uma ida à pizzaria Recanto, onde traçamos uma micropizza de Mussarela e Calabresa e basicamente passamos fome juntamente com meus outros primos, Caroline e Cássio.
Em janeiro de 1994, quando eu passava férias na casa da tia Kinha e do César em Mostardas, fomos à pizzaria do Baratão. Parecia outra vida. Na minha lembrança, a pizzaria ficava no calçadão da cidade, perto ao antigo Bar América. Pode ser uma memória implantada, e eu estou com preguiça de encher o saco de alguém da famÃlia para confirmar. O fato é que a pizza de lá era muito melhor e passamos a frequentar direto. No final dos anos 1990, ela mudou para a rua da Recanto, ou sempre foi lá mesmo, e eu que nunca tinha me ligado. Só sei que nas últimas vezes que fomos lá jantar, antes de sair para a noite, Sultans of Swing SEMPRE tocava. Parecia que esperavam a gente entrar no local para a música começar. Não sei se era algum CD de coletâneas que ficavam colocando lá, ou era apenas coincidência.
Por isso, Sultans of Swing me lembra essas últimas idas de adolescente para Mostardas, onde inevitavelmente depois parávamos no Clube da cidade para alguma festa envolvendo reggae, junto com o amigo Minhoca; no Bar do Juca, na praça, onde o dono era tão despojado que mandava o pessoal ir fazer xis na chapa caso quisesse comer; ou no Ginásio, onde sempre aconteciam algumas festas de rádio, tipo a Jovem Pan. Inclusive foi numa dessas festas da Jovem Pan, comandada por um DJ chamado Janja, que mais parecia o Don Lourenzo de Médici do episódio do Leonardo Da Vinci do Chapolin Colorado, que aconteceu algo bizarro. Meu primo Marcos e eu tivemos que ser vigias de um gordinho altão com o tamanho de um prédio de 7 andares, chamado Rômmel. Meu primo tinha uma locadora de videogames na época, e o local era um dos "points" jovem do centro da cidade. A festa envolvia muita gente, vinha turmas até de outras cidades, e o pai de Rommel nos pediu, gentilmente, com a seguinte frase: "é possÃvel vigiarem? É a primeira vez que Rommel sai à noite". O gesto cortês do senhor fez com que ao menos déssemos um oi para o guri na festa, completamente enlouquecido ao som de Rockafeller Skank do Fatboy Slim (outra música que pensei em colocar aqui como lembrança, mas fica de bônus).
Eu acredito que a Antena 1, rádio em que Sultans of Swing fazia parte da programação e a que eu mais ouço hoje em dia, não pegava em Mostardas naquela época. Então, vou considerar realmente que era um CD do Dire Straits que tocava lá na pizzaria Aquarius. Se for uma coletânea, melhor ainda - já que o próximo assunto envolve uma.
Alphaville - Big In Japan
Forever Young, 1984
Se o Dire Straits para mim tem cheiro de pizza calabresa no ambiente, o Alphaville tem cheiro de gelo seco e cera para piso do Clube Oriente, de Campo Bom. Conhecido por ser um clube que recebe bailes de debutante, casamentos, coqueteis, e outros eventos sociais, o clube também tem uma famosa boate chamada Farol. E essa boate vai ser o tema a seguir.
Em outubro de 1998, na sétima série, apareceu uma turma na nossa sala de aula convidando a gente para participar da escolha da Garota, Garota e Broto Ildefonso Pinto. Era uma espécie de concurso de beleza, que de beleza não tinha porra nenhuma. A moral era a seguinte: pessoas desfilavam numa passarela usando uma camiseta branca com o logotipo do evento e usavam calça ou saia preta. A apresentadora fazia uma breve descrição de quem estava ali passando aquela vergonha, incluindo uma frase de "pensador", que obviamente ninguém escolhia, só a organização. Enfim. Esse pessoal que apareceu na sala de aula pediu para indicarmos quem seriam os representantes da nossa turma, caso assim fosse da vontade de todos. Ninguém pareceu muito interessado. Menos um: meu colega Eduardo Arnold. Éramos da turma do fundão e o Eduardo era repetente. Como era mais velho, ele já sabia os meandros desse concurso e me deu uma letra: "cara, vamos lá, que tem coquetel, bebida de graça e as gurias do noturno". Gurias do Noturno entenda-se: gurias mais velhas, que já trabalhavam, e por alguma questão do destino tinham repetido de ano para ainda estarem no Ensino Fundamental - à época chamado ainda de 1º Grau. As palavras do Eduardo brilharam na minha cabeça feito um frontlight em Las Vegas. Imediatamente nós dois nos prontificamos a participar. Eu não lembro se alguma menina da nossa sala desfilou, mas creio que não.
Antes de começar essa pataquada, haviam alguns "ensaios" na escola, na parte da noite. Foram algumas noites indo lá, mas valia a pena para ver rostos e retaguardas que a gente não via no perÃodo diurno. Depois, os desfiles de ensaio migraram também para o Clube Oriente, até o dia da festa. O coquetel ocorreu no restaurante do Clube, que durante o dia é aberto para o público - até hoje. O rango, confesso, era meio caÃdo. Tinha meia dúzia de coxinha e croquete cansado, e até a parte alcóolica era fraca. Não que eu bebesse muito - afinal, eu tinha 13 anos de idade, eram meros goles e olhe lá. Alguns figurões da cidade, patrocinadores(!) do evento, estavam por lá e falavam uma pá de groselha. Pensei muito se valia a pena ter me exposto a uma situação dessas só por um coquetel e possÃveis "contatinhos" com as cidadãs do noturno- olha a ilusão do cara! Na hora do desfile, que deve ter durado 30 segundos, mirei nos meus pais na plateia para procurar um refúgio. Nunca tive medo de público, já que eu me apresentava com o CTG e com teatro desde cedo, mas era melhor garantir um local para eu fixar o olhar. Infelizmente, não sobrou nenhuma foto desse dia, se não eu colocava aqui. No final, deu tudo certo. Obviamente, não ganhei prêmio algum nesse troço, mas depois teve a festinha.
Nessa festa, que começou no próprio palco do clube, uma sequência de músicas dos anos 1980 fez a alegria da rapaziada, incluindo aà Baltimora - Tarzan Boy, Dire Straits - Walk of Life, UB40 - Red Red Wine, P.Lion - Happy Children (a trilha do Táxi do Gugu!), entre outras. O grande destaque para mim, daquela festa, foi Alphaville - Big in Japan, que eu nem sabia o nome da música. O cheiro de cera do piso começou a ficar cada vez mais alarmante conforme o pessoal "lustrava" o chão com tenebrosos passos de dança. O fedor de gelo seco também infestava o local. Durei menos tempo do que eu imaginava naquela celeuma e logo fui para casa, dando risada daquela situação toda. Ter 13 anos faz o cara não pensar muito e só agir.
Duas semanas depois, novamente em um feriado, Finados, minha famÃlia e eu fomos para Mostardas. Foi a primeira vez que eu fui lá depois das férias de julho de 1998, que já citei em outro texto. A videolocadora de games estava reformada na casa dos meus tios. Eles tinham integrado a sala e o antigo quarto deles como uma coisa só. Virou um baita espaço para a locadora. O quarto deles foi adaptado para a antiga sala/cozinha. Mesmo assim, cabia todo mundo para dormir. No dia 30 de outubro, um baile no Ginásio de Mostardas foi o programa principal antes do finlandês Mika Hakkinen ganhar o seu primeiro tÃtulo no GP do Japão de Formula 1. Na noite seguinte, ouvindo uma fita K7 antes de dormir, várias músicas na sequência que tocaram na festa em Campo Bom. Achei aquilo muito estranho. Mas depois caiu a ficha: os caras colocaram uma coletânea para tocar na porra da festa. Olha a preguiça do filho da puta do DJ! Mas, como era o nome da coletânea? Meu primo Marcos, dono da fita K7, gravada sem nenhum descritivo, não sabia.
Foram alguns meses de procura até que ele pediu a um amigo que trabalhava em uma rádio para fazer uma lista com o nome das músicas. Anotou em uma daquelas fichas de consultório, com uma caneta vermelha, o nome de uma a uma das canções, inclusive errando o nome do Dire Straits, escrevendo Dire Stratts. O cara só falou para o Marcos que o nome do disco era Recuerdos. Recuerdos do quê, porra? Essa história ficou um ano em banho maria.
No final de 1999, em um camelô na rua Tamoio, curiosamente BEM EM FRENTE ao Clube Oriente, achei um CD: Recordando los 70 y 80. O visual era uma guitarra toda guenza, achei aquilo muito pirata até para o camelô. Quando vi a contracapa com as músicas, quase caà no chão. Finalmente tinha achado o bendito CD. Comprei na hora. Avisei meu primo. Deve ser o CD que mais ouvimos na vida nos verões seguintes.
Big in Japan faz parte da trilha sonora da minha vida, principalmente em dia de faxina e na hora de lavar a louça (ouvi hoje, por exemplo). O clipe dessa música do Alphaville é uma coisa medonha, com o Marian Gold me lembrando uma versão afetada do amigo do meu pai, o Nandi. Apesar da estética bisonha, a música abre aquele já famoso portal do tempo que sempre falo aqui, e me joga para a primavera de 1998 imediatamente. Que grandes tempos.
Até a próxima.
Matheus
Sultans of Swing é uma música curiosa pois, assim como mencionado na edição 13, era uma das músicas que tocavam em forte repetição na Rádio Ouro Verde, em Curitiba. Após a época mais assÃdua do meu avô como ouvinte, a rádio se limitou a ser ouvida em fins de semana onde visitas frequentariam a minha casa. Visitas essas que eu ODEIO DO FUNDO DO MEU CORAÇÃO. Pessoas extremamente desagradáveis, que falam baboseiras nunca antes medidas e que ainda são ávidas defensoras do excremento que temos como presidente hoje.
Então é, Sultans of Swing por um tempo se tornou sinônimo de tempos ruins vindo, mas se fosse aos domingos pelo menos seriam acompanhados de uma macarronada ótima.