Olá!
Edição 21 da série Faixas e Feixes chegando para relembrar o emblemático ano de 1994. Um grande ano para a música nacional, que trouxe uma série de acontecimentos que invariavelmente se conectam à parte musical. Boa leitura!
Legião Urbana - Perfeição
O Descobrimento do Brasil, 1993
Até que demorou para a Legião Urbana aparecer por aqui. Como é a minha banda nacional favorita desde a infância, dei uma segurada na emoção para não gastar cartucho antecipadamente. E acho que fiz bem, pois essa música vai cair como uma luva para a temática do texto de hoje, que vai ter muito "Perfect".
O Descobrimento do Brasil foi lançado no final de novembro de 1993, depois que Perfeição foi lançada em videoclipe no Fantástico semanas antes. A banda nunca foi muito fã de produzir clipes, gravou pouquÃssimos ao longo da carreira. Fazer shows, principalmente turnês, era outro ponto que virou raridade depois de 1990, quando começaram os graves problemas de drogas, alcoolismo e depressão de Renato Russo. Por essas e outras, considero 1994 o melhor ano da carreira da Legião Urbana e do próprio Renato, que promoveu dois discos muito bons e teve apresentações em vários lugares.
As lembranças da Legião Urbana se misturam como trilha sonora de alguns fatos da vida. Ao ganhar um Nintendinho 8 Bits (Microgenius) como presente de Dia das Crianças de 1993, comecei a alugar muitos cartuchos nas finadas locadoras Sander Games, Objetiva, e Nexus Video. Até então, meu único videogame era um CCE (Atari), que meu pai tinha comprado para ele jogar mesmo antes de eu nascer, em 1984. O Nintendinho foi trazido via Paraguai por um ex-colega da minha mãe, que fazia esses contrabandos. Veio com fita de 72 pinos, com Super Mario Bros, e também um adaptador para fitas de 60 pinos, com um cartucho cheio de jogos de esporte. Isso foi um pouco depois de eu conhecer a geração de 16 Bits do Super NES.
Eu já tinha jogado Mega Drive anteriormente na casa de alguém, mas o Super NES me conquistou de imediato, pois tinha o Mortal Kombat. O curioso foi que conheci o jogo na versão de console, na VideoMania, em Mostardas/RS, em setembro de 1993. Ou seja, exatamente no mês anterior a eu ganhar o meu console 8 Bits. Por sorte, do outro lado da rua, na frente da praça central de Mostardas, havia um fliperama, onde se juntava uma porção de maconheiros e toda a bandidagem local para jogar numa máquina tão pirata que quando você dava o Fatality a tela ficava branca ao invés de escurecer. Talvez não fosse o melhor local para crianças de 8 anos de idade frequentarem. Mas quem disse que a gente ligava? O negócio era ver cabeça sendo explodida e caveira torrando o inimigo como se fosse fogueira de São João na tela do Arcade. E o vÃcio iria aumentar no ano seguinte.
O ano de 1994 começou para mim de maneira bem inusitada e catastrófica. Tive caxumba e frustrei a primeira semana de férias na praia. Isso foi acontecer na última semana de janeiro. Depois, desfalcado de saúde e enquanto assistia à um jogo do Mundial de Vôlei de Praia, ao som de Toto na vinheta, ganhei minha primeira revista Ação Games. Foi a edição de janeiro de 1994 mesmo, com o Robocop na capa. Na parte final da revista, diversos golpes de Super Street Fighter II, o jogo que estava estreando nos Arcades àquela altura. Eu gostava muito do SFII, jogava bastante na Sander Games, que dispunha de um Super NES para jogatinas. Mas eu ainda preferia Mortal Kombat.
Ganhei uma revista especial de Mortal Kombat poucos dias depois e, antes de ir para a praia concluir as férias (ainda com caxumba, sem poder sair na rua, mas com algum aparato para leitura), devorei a edição com requintes de crueldade. Virei ela de cabo a rabo, sabia aplicar todos os golpes e fatalities - até alguns que nem tinham inventado ainda. Só faltava ter uma máquina de arcade ou console disponÃvel para tal. Isso ocorria apenas uma vez por semana - mas ao menos ocorria. Foram diversos meses indo todas as segundas-feiras à Sander Games para jogar durante 1h. Ocasionalmente, uma passada também no Valério Games, no centro de Campo, onde tinham máquinas de arcade. Na época, a loja ficava na Av. Brasil, na atual esquina com a João Schumann, rua que ainda nem existia. E foi nesse perÃodo que a Legião Urbana apareceu na minha tv novamente.
Pouco tempo depois da morte de Kurt Cobain e de Ayrton Senna, a Legião Urbana se apresentou no Programa Livre do SBT, em 10 de maio de 1994. Perfeição foi uma das músicas tocadas. Àquela altura, o programa era noturno, e eu só conseguia assistir graças à TV preto e branco que ficava na cozinha. Assisti totalmente por acaso, durante uma janta. Também foi "Por Acaso", nome de um programa independente de música apresentado na TV Manchete, que o Renato Russo apareceu cantando, junto com a Adriana Calcanhotto, uma versão muito legal de Esquadros - mas isso aconteceu em 1993, quando ela estava na crista da onda graças à novela Renascer.
Eu, obviamente, não fui no último show que a Legião Urbana fez em Porto Alegre, no Gigantinho, em 28 de maio de 1994, semanas depois da apresentação no Programa Livre. Tinha 9 anos de idade, não tinha autonomia e muito menos dinheiro. O Brasil ainda estava numa merda federal com a inflação, que só arrefeceu depois de julho, com a criação do plano Real. Curiosamente, parece que tudo deu um "up" graças ao tetracampeonato da seleção na Copa do Mundo. E, para variar, justamente na época da Copa, tirei umas férias em Mostardas. No roteiro, idas intermináveis ao fliperama do Ernani, onde com módicos R$1,00 comprávamos 10 fichas e ficávamos lá tentando matar o Shang Tsung depois de detonar o Goro e as três duplas. Eu ficava tanto tempo nesse buteco que minha mãe ligava quase todas as tardes para lá, para conferir se eu ainda estava vivo.
Foi nessa época de Mostardas que o falecido Eder Cocobalo cunhou que o termo Mirror Match tinha virado MIRRÔR MITÉSHI, no seu inglês tosco, com uma tradução antológica: "...Mirrôr Mitéshi, significa, NO BOM PORTUGUÊS, 'enfrentando o seu espelho'…". Que ele descanse em paz. Também foi ali que percebi que eu era tão viciado ao ponto de vencer até o pessoal de maior de idade que vinha me desafiar colocando ficha no meio do jogo. Teve uma vez que um conhecido da rua, com mais tempo de FEBEM que eu de vida, colocou uma ficha e me desafiou usando o Raiden. Tomou um pau do meu SubZero com direito a Perfect e Fatality arrancando a coluna. Fiquei com receio de eu mesmo levar um Fatality na vida real, mas o devaneio infantil venceu a delinquência juvenil - ao menos naquela tarde.
Por fim, a Legião Urbana acabou sua turnê de 1994 com shows antológicos no Metropolitan, que anos depois virou um CD Duplo, e um especial da TV Bandeirantes, que espero até hoje um lançamento em DVD. Ainda em 1994, Renato Russo lançou seu primeiro disco solo, The Stonewall Celebration Concert, para angariar fundos para a campanha da fome de Herbert de Sousa, o finado Betinho, e também servir como homenagem ao jubileu de prata do levante de Stonewall, data fundamental na briga pelos direitos dos homossexuais nos Estados Unidos. O último show da Legião Urbana ocorreu em janeiro de 1995, em Santos. Ao longo daquele ano, Renato lançou seu disco solo em italiano e, no ano seguinte, deixou registradas as últimas canções da sua banda, para os álbuns A Tempestade e Uma Outra Estação. Renato Manfredini Júnior morreu em 11 de outubro de 1996, vÃtima de AIDS. Seu legado para a cultura pop é imenso e fica aqui uma homenagem para ele que foi tão marcante para mim - em 1994 e depois.
Cidade Negra - A Sombra da Maldade
Sobre Todas as Forças, 1994
Se a Legião Urbana era a trilha do primeiro semestre até o final da Copa, a trilha seguinte daquele ano com certeza tem o Cidade Negra como um dos grandes baluartes. O disco, lançado em agosto de 1994, trazia Toni Garrido como o novo vocalista da banda, sustituindo o glorioso Ras Bernardo, e dando um novo caminho pop para as canções. Tanto é que o disco foi produzido por Liminha, conhecido por transformar tudo em um grande sucesso, ainda que de maneira um tanto quanto pasteurizada. Mas quem se importa quando se está lucrando e sendo quase onipresente nas rádios e nos programas de televisão da época?
Lembro de escutar A Sombra da Maldade dia sim e dia também - mesmo que eu não quisesse. Meu vizinho da época, Fernando CÓI, ouvia essa música no último volume em seu sonzão 3 em 1, enquanto ficava com a janela aberta jogando World Heroes no seu Super NES só para fazer inveja no seu vizinho pobre da era 8 bits. Ele ouvia o CD inteiro. Aonde Você Mora e Pensamento também poderiam muito bem figurar como as músicas que ilustram esse texto. Mas como esse negócio está quase temático videogame e trevas, acho que uma música que fale de sombras combina muito mais com Mortal Kombat.
O Cidade Negra fez muito sucesso na época em que os Cavaleiros do ZodÃaco estrearam na Manchete. O Clube da Criança, habitat da série e na época apresentado por Paty Beijo, recebeu a banda em uma tarde. Talvez isso me faça ainda mais conectado com a banda, pois na época eu não perdia um programa, aguardando até as 18h30 para começar o maldito desenho. Situação que mudaria pouco tempo depois, em que iniciei a fazer natação nos finais de tarde à partir de outubro daquele ano de 1994.
Fazer natação na primavera era até tranquilo, a piscina era térmica. O problema era justamente o choque térmico de sair na rua de cabelo molhado depois da aula. Lembro de um dia voltar para casa com a touca de natação na cabeça devido ao intenso vento, andando pelas ruas de Campo Bom igual um retardado. Como essas porcarias marcam. Isso foi no mesmo dia em que comprei nas bancas o exemplar número 4 do gibi de Street Fighter da Editora Escala, que entrava na sua fase apenas nacional. E também foi o dia da estreia da novela Quatro por Quatro, que peguei só o finalzinho da festa do Doutor Gustavo (Marcos Paulo). Ou seja, temos aqui o dia exato: 24 de outubro de 1994.
E foi em outubro de 1994 que aconteceu outra coisa marcante: o port de Mortal Kombat II tinha chegado para Super NES. Quando a fita chegou na Sander e na Turbo Games, foi a salvação. Uma fila imensa se formou para jogar a dita cuja. Eu nunca tinha chegado nem perto de um arcade desse jogo, simplesmente não tinha na região. E a chegada da fita, COM SANGUE no jogo, coisa que o primeiro tinha suprimido e transformado todo o plasma em areia, era outra glória. Mais ainda: os fatalities eram idênticos. Ganhei da minha vó uma revista de golpes do jogo, incluindo aà toda uma mirÃade de outros jogos de porrada da época. Serviu como meu guia de final de ano.
Em novembro, em uma operação conjunta com meu pai, resgatamos o valor de R$ 101,00 da minha poupança do Banco do Brasil, que ficou 2 anos e meio basicamente parada rendendo os 15% do deposito inicial de CR$ 50.000 (a cédula do Câmara Cascudo!). Na conversão da moeda, já em Real, tirar essa grana, que era mais que um salário mÃnimo da época (R$ 70,00), pareceu um bom negócio. Meu pai conseguiu vender o meu Microgenius para um colega de trabalho dele por R$60. O SuperNES custava R$ 164,00, vindo do Paraguai e com dois controles. Tudo isso graças ao dólar barato, que valia menos que o Real. No final de novembro de 1994, praticamente junto com o inÃcio da reprise da saga dos Cavaleiros do ZodÃaco na TV Manchete, o meu novÃssimo Super NES pairou na estante da sala de casa, com toda sua pompa, elegância e com uma fita do Mortal Kombat - mas era o 1.
Lembro de ter alugado tanto a fita do Mortal Kombat 2 que ela quase já sabia o caminho para minha casa sozinha. Muitos finais de semana jogando com meus amigos e meus primos, enquanto Cidade Negra continuava sendo a trilha da vizinhança. Toda vez que escuto esse disco me lembro imediatamente desse final de 1994, uma época em que era muito difÃcil ter acesso à qualquer coisa, e tudo batalhado com muito esforço. Meu presente de natal daquele ano foi o boneco original da Bandai do Shun de Andrômeda, comprado nas lojas Colombo por R$ 35,00, e uma Pepsi 2 litros, com novo rótulo. Nunca me esqueço de tudo que meus pais sempre fizeram por mim. São nos pequenos - e nos grandes - gestos que nossa memória ativa todas as boas lembranças, e a gratidão é uma grande aliada nessas horas.
Até a próxima
Matheus
Salve!!! Acho que, de todas as edições até agora, essa foi a que mais teve elementos com os quais eu me identifico. Apesar de ser "team Street Fighter" declarado, também joguei muito MK nessa época e era um fã fervoroso dessas maravilhosas revistas de videogame. Aliás, foram revistas como a Videogame, Ação Games e Super Game Power que me faziam dar aquela passada obrigatória nas bancas de revistas todo dia depois da aula. Mas eu gostava muito mais de ler sobre os personagens, sobre a sinopse dos jogos e sobre os enredos do que as dicas em si (até porque elas precederam a revista Herói e chegaram a ser basicamente a única fonte de informação impressa nas bancas do RS). O ano de 1994 traz realmente ótimas recordações e foi um ano singular na história do Brasil, com a morte do Senna, o tetracampeonato, o inÃcio do Plano Real e a primeira eleição do FHC. Tudo isso é muito presente na memória até hoje. E como esse ano também foi marcado pela morte do Renato Russo, foi possÃvel conhecer melhor a obra e o talento dele graças à s muitas homenagens que foram feitas na época. Achei legal tu comentando sobre os fliperamas clandestinos daqueles tempos! Que coisa mais sensacional, né?! Eram sempre uns lugares com pinta de porão ilegal de mafiosos que fediam tanto a cigarro que a gente saÃa tudo defumado. Algumas máquinas de "fliper" tinham até um cinzeiro acoplado no display para facilitar a vida dos clientes. Maravilhoso!
Eu vivi essa rotina nessa mesma época e tenho ótimas recordações também. Por isso, acho sensacional ver que tem mais gente com lembranças parecidas e que registra aqui esses acontecimentos, sempre acompanhados de uma trilha sonora compatÃvel e rigorosamente selecionada. Serve até como um resgate das minhas próprias memórias!
Parabéns, Matheus!!! Perfect (ou Flawless Victory)!